Cristo apela ao coração do homem

Por 30 de novembro de 2016 Formação, Humana Nenhum Comentário

“Ouvistes que foi dito: Não cometerás adultério. Eu, porém, digo-vos que todo aquele que olhar para uma mulher, desejando-a, já cometeu adultério com ela no seu coração“.

Parece que esta passagem tem para a teologia do corpo um significado-chave, como aquele em que Cristo faz referência ao “princípio”, e que nos serviu de base para as precedentes análises. Pudemos, nessa altura, dar-nos conta de quão amplo foi o contexto de uma frase, melhor, de uma palavra pronunciada por Cristo.

O enunciado a que agora nos referimos, isto é, Mt 5, 27-28, com segurança nos revelará gradualmente o significado-chave da teologia do corpo. Este enunciado constitui uma das passagens do Sermão da Montanha, em que Jesus Cristo faz uma revisão fundamental do modo de compreender e cumprir a lei moral da Antiga Aliança. Isto se refere por ordem aos seguintes mandamentos do Decálogo: ao quinto —”não matarás”, ao sexto —”não cometerás adultério” — e ao oitavo mandamento, segundo o texto do livro do Êxodo: “Não perjurarás, mas cumprirás os teus juramentos ao Senhor”.

Significativas são, sobretudo, as palavras que precedem estas frases —e as seguintes— do Sermão da Montanha, palavras com que Jesus declara: “Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas: não vim revogá-la, mas completá-la”. Nas frases seguintes, Jesus explica o sentido de tal contraposição e a necessidade do “cumprimento” da Lei a fim de realizar o reino de Deus: “Quem… praticar (estes preceitos) e os ensinar aos homens, será considerado grande no reino dos céus”. “Reino dos Céus” significa reino de Deus na dimensão escatológica. O cumprimento da Lei condiciona, de modo fundamental, este reino na dimensão temporal da existência humana. Trata-se, todavia, de um cumprimento que corresponde plenamente ao sentido da Lei, do Decálogo, dos mandamentos um por um. Só este cumprimento constrói a justiça querida por Deus-Legislador. Cristo-Mestre adverte que não se dê uma tal interpretação humana de toda a Lei e de cada um dos mandamentos nela contidos, desde que ela não construa a justiça querida por Deus-Legislador: “Se a vossa justiça não superar a dos escribas e fariseus, não entrareis no reino dos céus”.

Encontramo-nos assim no centro do Ethos, ou seja, naquilo que pode ser definido como a forma interior, quase a alma da moral humana. Uma moral viva, no sentido existencial, não é formada apenas pelas normas que revestem a forma dos mandamentos, dos preceitos e das proibições, como no caso do “não cometerás adultério”. A moral em que se realiza o próprio sentido do ser homem — que é, ao mesmo tempo, cumprimento da Lei mediante o “superabundar” da justiça através da vitalidade subjetiva— forma-se na percepção interior dos valores, de que nasce o dever como expressão da consciência e como resposta ao próprio “eu” pessoal. O Ethos faz-nos entrar, contemporaneamente, na profundidade da mesma norma e descer ao interior do homem-sujeito da moral. O valor moral tem ligação com o processo dinâmico da intimidade do homem. Para o atingir, não basta deter-se “à superfície” das ações humanas, é preciso entrar precisamente no interior.

Além do mandamento “não cometerás adultério”, o decálogo diz também “não cobiçarás a mulher do teu… próximo”. No enunciado do Sermão da Montanha, Cristo liga-os, de certo modo, um ao outro: “quem olhar para uma mulher, desejando-a, já cometeu adultério com ela no seu coração”. Todavia, não se trata tanto de distinguir o alcance daqueles dois mandamentos do decálogo, quanto de salientar a dimensão da ação interior, à qual se referem também as palavras: “não cometerás adultério”. Essa ação encontra a sua expressão visível no “ato do corpo”, ato em que participam o homem e a mulher contra a lei da exclusividade matrimonial. Olhava-se apenas à observância legal da fórmula que não “superabundava” na justiça interior dos corações. Cristo transpõe a essência do problema para outra dimensão, quando diz: “Quem olhar para uma mulher, desejando-a, já cometeu adultério com ela no seu coração” (Segundo antigas traduções “… já cometeu adultério com ela no seu coração”, fórmula que parece ser mais exata).

Assim, portanto, Cristo apela para o homem interior. Neste caso, isto se torna particularmente explícito e eloquente, não só no que diz respeito à configuração do Ethos evangélico, mas também no que se refere ao modo de ver o homem.

por Hyder Oliveira

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