Aprofundando – Doutrina Católica- Bruno Neves

Por 15 de fevereiro de 2016 Doutrina Nenhum Comentário

Para a existência das Escrituras, a Tradição foi (é) necessária. Para a existência da Tradição, o Magistério foi (é) necessário. Para que existisse o Magistério, Deus instituiu a Igreja e a delegou a Pedro na Terra.
A doutrina católica se apóia nos ensinamentos de Cristo que nos são transmitidos graças ao tripé: Magistério, Tradição e Escrituras.

I – Magistério Vivo
Os onze discípulos  1  foram para a Galiléia , para a montanha que Jesus lhes tinha designado. Quando o viram, adoraram-no; entretanto, alguns hesitavam ainda. Mas Jesus, aproximando-se, lhes disse: Toda autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-as a observar tudo o que vos prescrevi. Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo. (Mt 28, 16-20)

O que garantiu a unidade e a continuidade da Igreja até os dias de hoje foi o estabelecimento que Cristo fez sobre os apóstolos do Sagrado Magistério. A identidade e missão da Igreja estão ligadas ao Magistério desde sua instituição. Nos primeiros séculos se houvesse dúvida sobre algo; recorriam-se às seguintes questões que ajudavam no discernimento da verdade: “Esta doutrina está de acordo com o que ensinaram os Apóstolos? Está em conformidade com o que ensina a Igreja de Roma, onde foram martirizados Pedro e Paulo?”.

Os sucessores dos apóstolos são os bispos e a eles é confiado o Magistério, herdado pela sucessão apostólica, vejamos o que diz o catecismo: “Para que o Evangelho sempre se conservasse inalterado e vivo na Igreja, os apóstolos deixaram como sucessores os bispos, a eles ‘transmitindo seu próprio encargo de Magistério.” Com efeito, “a pregação apostólica, que é expressa de modo especial nos livros inspirados, devia conservar-se por uma sucessão contínua até a consumação dos tempos”. (CIC§77) .

A função do Magistério é preservar o Depósito da Fé 2. Ao Magistério cabe a correta interpretação dos ensinamentos de Deus; como o próprio Cristo falou aos apóstolos: “Porque a vós é dado compreender os mistérios do Reino dos céus, mas a eles não. (…)Eis por que lhes falo em parábolas: para que, vendo, não vejam e, ouvindo, não ouçam nem compreendam.”  (Mt 13, 11.13)

No livro Ato dos Apóstolos existe uma história que ilustra a importância do Magistério. Filipe, um dos Doze, vê um eunuco, ministro da rainha Candace, lendo o livro do profeta Isaías. Filipe, guiado pelo Espírito Santo, aproxima-se do carro do eunuco e diz: ”Porventura entendes o que estás lendo?” (At 8, 30). O eunuco responde o seguinte: “Como é que posso, se não há alguém que mo explique?” (At 8, 31). Depois desse diálogo o eunuco pede que Filipe lhe explique a passagem bíblica.

A Sagrada Escritura é a Palavra de Deus, mas não podemos entendê-la sem a ajuda do Magistério como o eunuco não entenderia sem a ajuda de Filipe.

II – Sagrada Tradição
Quem conhece a Deus, ouve-nos; quem não é de Deus, não nos ouve. É nisto que conhecemos o Espírito da Verdade e o espírito do erro. (1Jo 4, 6)

O Cânon Bíblico ainda não fora definido nos primeiros séculos do Cristianismo, porém já se conhecia os ensinamentos deixados pelo Messias principalmente pela pregação Dele e dos Doze (Magistério).

A transmissão da Palavra de Deus pela pregação do Magistério Vivo é chamada de Tradição. Não há conflito entre a Sagrada Tradição e a Sagrada Escritura, pois são duas vias para transmissão da mesma coisa: a Palavra de Deus.

São Paulo já nos fala da importância de ambas para firmeza na fé: ”Assim, pois, irmãos, ficai firmes e conservai os ensinamentos que de nós aprendestes, seja por palavras, seja por carta nossa.” (2Tes 2, 15). Santo Irineu reforça a posição de Paulo: “Quando são [os gnósticos] vencidos pelos argumentos tirados das Escrituras retorcem a acusação contra as próprias Escrituras, (…) E quando, por nossa vez, os levamos à Tradição que vem dos apóstolos e que é conservada nas várias igrejas, pela sucessão dos presbíteros, então se opõem à tradição.” (Contra as Heresias 2,1-2 Livro III. Santo Ireneu de Lião (Bispo). 220 D.C 3)

Não há como negar a importância da Tradição na Igreja Primitiva. Desde os tempos mais remotos, muitos já queriam se separar da Igreja, pregando um Evangelho diferente. Tais heresias foram combatidas e vencidas por causa do testemunho vivo dos Apóstolos. Com a morte dos Apóstolos, seus legítimos sucessores escreveram o que os Apóstolos não haviam deixado por escrito para combater as novas heresias e deixar para a posteridade a memória cristã. A Tradição foi usada para o discernimento do Cânon Bíblico, pois a base doutrinária da Igreja, como escrito anteriormente, é o ensinamento oral de Jesus Cristo e dos Apóstolos, não a Sagrada Escritura por si; ela apenas confirma o ensinamento anteriormente proposto.

No Credo Niceno-Constantinopolitano encontramos um trecho que remete diretamente a ação de Deus na Tradição: Creio no Espírito † Santo, Senhor que dá a vida, e procede do Pai; e com o Pai e o Filho é adorado e glorificado: Ele que falou pelos profetas.

III – Sagradas Escrituras
“Todavia, para escrever os livros sagrados, Deus escolheu e serviu-se de homens na posse das suas faculdades e capacidades (2), para que, agindo Ele neles e por eles (3), pusessem por escrito, como verdadeiros autores, tudo aquilo e só aquilo que Ele queria (4).”  (Dei Verbum, 11)

As Sagradas Escrituras são chamadas de Bíblia (coleção de livros) e foram escritas por homens inspirados por Deus, como está exposto na citação acima da Constituição Dogmática “Dei Verbum”.

O primeiro Concílio que tratou da lista dos livros canônicos4 foi o Concílio Romano (382):”Tratemos agora sobre o que sente a Igreja Católica universal, bem como o que se dever ter como Sagradas Escrituras: um livro do Gênese, um livro do Êxodo, um livro do Levítico, um livro dos números, um livro do Deuteronômio; um livro de Josué, um livro dos Juízes, um livro de Rute; quatro livros dos Reis, dois dos Paralipômenos; um livro do Saltério; três livros de Salomão: um dos Provérbios, um do Eclesiastes e um do Cântico dos Cânticos; outros: um da Sabedoria, um do Eclesiástico. Um de Isaías, um de Jeremias com um de Baruc e mais suas Lamentações, um de Ezequiel, um de Daniel; um de Joel, um de Abdias, um de Oséias, um de Amós, um de Miquéias, um de Jonas, um de Naum, um de Habacuc, um de Sofonias, um de Ageu, um de Zacarias, um de Malaquias. Um de Jó, um de Tobias, um de Judite, um de Ester, dois de Esdras, dois dos Macabeus. Um evangelho segundo Mateus, um segundo Marcos, um segundo Lucas, um segundo João. [Epístolas:] a dos Romanos, uma; a dos Coríntios, duas; a dos Efésios, uma; a dos Tessalonicenses, duas; a dos Gálatas, uma; a dos Filipenses, uma; a dos Colossences, uma; a Timóteo, duas; a Tito, uma; a Filemon, uma; aos Hebreus, uma. Apocalipse de João apóstolo; um, Atos dos Apóstolos, um. [Outras epístolas:] de Pedro apóstolo, duas; de Tiago apóstolo, uma; de João apóstolo, uma; do outro João presbítero, duas; de Judas, o zelota, uma”. (Concílio de Roma)

No Concílio de Hipona (393), o Cânon foi oficialmente definido: “Parece-nos bom que, fora das Escrituras canônicas, nada deva ser lido na Igreja sob o nome ‘Divinas Escrituras’. E as Escrituras canônicas são as seguintes: Gênese, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio, Josué, Juízes, Rute, quatro livros dos Reinos, dois livros dos Paralipômenos, Jó, Saltério de Davi, cinco livros de Salomão, doze livros dos Profetas, Isaías, Jeremias, Daniel, Ezequiel, Tobias, Judite, Ester, dois livros de Esdras e dois [livros] dos Macabeus. E do Novo Testamento: quatro livros dos Evangelhos, um [livro de] Atos dos Apóstolos, treze epístolas de Paulo, uma do mesmo aos Hebreus, duas de Pedro, três de João, uma de Tiago, uma de Judas e o Apocalipse de João. Sobre a confirmação deste cânon se consultará a Igreja do outro lado do mar. É também permitida a leitura das Paixões dos mártires na celebração de seus respectivos aniversários.” (Concílio de Hipona)

Depois desse concílio o Cânon foi ratificado nos seguintes concílios: Cartago III e IV, Trulos, Florença, Trento e Vaticano I.

Desde o início a Igreja teve muito cuidado com as Sagradas Escrituras e graças a Sagrada Tradição, ela pode discernir a Verdade e compilar a Bíblia, porém a Bíblia não deve ser usada fora do contexto da Tradição, deturpando seu sentido. São Pedro, o primeiro Papa, já admoestava, acerca da leitura das Escrituras: “Antes de tudo, sabei que nenhuma profecia da Escritura é de interpretação pessoal.” (2Pe 1, 20)

1. A passagem cita somente onze apóstolos,  pois está situada entre o suicídio de Judas Iscariotes e a eleição de Matias para substituí-lo.
2. A união entre a Sagrada Tradição e a Sagrada Escritura é chamada de Depósito da Fé.
3. O Cânon Bíblico só foi definido mais tarde, logo a referência as Escrituras era baseada na Tradição.
4. Livros canônicos são os livros que foram inspirados por Deus e, portanto, fazem parte da Bíblia.

Deixe uma resposta